Paulo Leminski morto em 1989 se mantém há oito semanas na lista de livros mais vendidos com ‘Toda poesia’
BOLÍVAR TORRES
Responsável pelo espólio editorial de Paulo Leminski (1944-1989), a poeta e compositora Alice Ruiz, viúva do autor, se vê cercada por propostas. No momento em que “Toda poesia”, reunião da obra poética de Leminski pela Companhia das Letras, se mantém há oito semanas na lista de livros mais vendidos no país, editoras e produtoras intensificam suas buscas por materiais inéditos e reedições. Algumas expectativas, contudo, nem sempre correspondem à realidade.
— Foi aberta a temporada de caça a Leminski — brinca Alice. — Estou sofrendo assédio de todos os lados, e não apenas das editoras. Mas o que já temos programado ocupa todo nosso tempo, por enquanto.
A apreensão se justifica: já estava difícil organizar a fila de projetos mais antigos. Ainda em 2013, a Companhia das Letras deverá relançar as biografias de personalidades históricas, escritas por ele ao longo dos anos 1980. Ao mesmo tempo, Alice está envolvida no projeto de uma cinebiografia, enquanto sua filha, Áurea, cuida da itinerância da exposição “Múltiplo Leminski”, atualmente em exibição no Paraná. Mas, com a necessidade de definir prioridades, a iniciativa imperiosa no momento é a digitalização do vasto acervo de gravações em fita cassete deixadas pelo poeta, que deverá servir como base para a publicação de um livro de partituras com sua obra musical completa, em 2014. A ideia é mostrar uma faceta menos conhecida de Leminski, a de compositor, músico e cantor.
— Por causa da deterioração das fitas, a digitalização é o projeto que exige mais urgência — lembra Estrela Ruiz Leminski, filha mais nova do autor e responsável por seu acervo musical. — Algumas datam de 1972 e estão com muito bolor, outras eu sequer consigo ouvir. O acervo tem muita coisa que ninguém conhece, como Leminski musicando poemas de Shakespeare, uma versão muito diferente de “Verdura” (gravada por Caetano Veloso em 1981, no disco “Outras palavras”), além de uma dezena de canções inéditas.
Estimulado pelo sucesso de suas músicas na voz de outros cantores, Paulo Leminski redobrou seus exercícios caseiros de violão e composição a partir dos anos 1980. Gravador ligado, o poeta paranaense registrava ideias harmônicas e canções acabadas. Como não pretendia fazer carreira como cantor, enviava-as a seus amigos músicos. Algumas ganharam gravações de nomes como Moraes Moreira, Paulinho Boca de Cantor, Arnaldo Antunes e Caetano Veloso; outras permaneceram inéditas, guardadas em fitas, por décadas.
Nascida em 1981, Estrela tem recordações precisas do processo de composição do pai. Durante a infância, ela o via sentado com o violão, concentrado por horas a fio. Começava com estudos e, em seguida, vinham as ideias. Nas fitas, é possível ouvir as músicas sendo construídas passo a passo.
— Era um violonista autodidata — explica Estrela, que como seu pai, é escritora e compositora. — Ele pegou um método de violão e passou a estudar sozinho, até o dedo sangrar. Começava buscando cadências harmônicas e quando aparecia a ideia de uma música, ia numa tacada só: música e letra sempre surgiam juntas. Era um cancionista, gostava de pensar letra e melodia como uma coisa única.
Além do material deixado pelo autor, a família conseguiu recuperar canções e poemas interpretados por outros cantores, não lançados em disco.
— Parcerias de meu pai com Itamar Assumpção, diversos poemas musicados que o Itamar registrou num gravador no fim da vida — diz Estrela.
Em gestação desde 2009, o projeto acaba de ser contemplado na Seleção Pública do Programa Petrobras Cultural, assim como a exposição “Múltiplo Leminski”, que reúne shows, filmes, debates e oficinas. Resultado de anos de pesquisa e catalogação por parte da família, a mostra já passou por São Paulo e Paraná, e em 2014 irá para Recife e Goiânia graças ao patrocínio.
O sucesso de “Toda poesia” ressuscitou o interesse pelo autor. A série “Uma vida”, originalmente lançada pela Brasiliense, na qual Leminski biografa as vidas de Jesus Cristo, do marxista Leon Trotski, e do poeta Cruz e Sousa, encabeça a fila das futuras reedições. Em 2012, os romances “Catatau” (1975) e “Agora é que são elas” (1984) também ganharam novas edições da Iluminuras.
— A verdade é que não sobrou muito para publicar, pois a obra já está circulando — diz Alice. — Mas existe a possibilidade de lançar as entrevistas dele em novo volume.
Em pareceria com Marcos Pamplona, Alice escreveu o roteiro da cinebiografia. O título provisório é “Alice e Paulo” e deverá ter direção do cineasta Gustavo Tissot (também corroteirista). Ambientado entre 1968 e 1988, o longa retratará o período da contracultura pelo olhar do casal. A produtora Abaporu aguarda patrocínio para começar as filmagens.
— O filme é sobre o que vivemos juntos nesse período marcante — adianta Alice. — Vários amigos dessa época serão representados também, como Caetano, Gil, Moraes Moreira, Itamar Assumpção.
Fonte: O Globo
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